Obra de Élia Sofia Ramalho na Biblioteca Municipal Dr. António Baião de Ferreira do Zêzere.
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
"Interior/Exterior" Fernando Pessoa
Álvaro de Campos
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grandes são
os desertos, e tudo é deserto.
Não são
algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que
disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são
os desertos e as almas desertas e grandes —
Desertas
porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes
porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são
os desertos, minha alma!
Grandes são
os desertos.
Não tirei
bilhete para a vida,
Errei a
porta do sentimento,
Não houve
vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me
resta, em vésperas de viagem,
Com a mala
aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na
cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me
resta (à parte o incómodo de estar assim sentado)
Senão saber
isto:
Grandes são
os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a
vida, e não vale a pena haver vida.
Arrumo
melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com
arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem).
Acendo o
cigarro para adiar a viagem,
Para adiar
todas as viagens.
Para adiar o
universo inteiro.
Volta
amanhã, realidade!
Basta por
hoje, gentes!
Adia-te,
presente absoluto!
Mais vale
não ser que ser assim.
Comprem
chocolates à criança a quem sucedi por erro.
E tirem a
tabuleta porque amanhã é infinito.
Mas tenho
que arrumar a mala,
Tenho por
força que arrumar a mala,
A mala.
Não posso
levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a
vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também,
toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar,
como um boi que não chegou a Ápis, destino.
Tenho que
arrumar a mala de ser.
Tenho que
existir a arrumar malas.
A cinza do
cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o
lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que
tenho que arrumar a mala,
E que os
desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer
parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.
Ergo-me de
repente todos os Césares.
Vou
definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei-de
arrumá-la e fechá-la;
Hei-de vê-la
levar de aqui,
Hei-de
existir independentemente dela.
Grandes são
os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro,
naturalmente.
Pobre da
alma humana com oásis só no deserto ao lado!
Mais vale
arrumar a mala.
• “Interior/Exterior” – (Fernando Pessoa) Em itinerância pelas
Bibliotecas da Rede Nacional de Leitura Pública. (2004/2005)
– Biblioteca Municipal de Figueira da Foz
– Biblioteca Municipal de Pombal
– Biblioteca Municipal de Ferreira do Alentejo
– Biblioteca Municipal de Lagoa
– Biblioteca Municipal de Évora
– Biblioteca Municipal de Abrantes
– Biblioteca Municipal de Figueira da Foz
– Biblioteca Municipal de Pombal
– Biblioteca Municipal de Ferreira do Alentejo
– Biblioteca Municipal de Lagoa
– Biblioteca Municipal de Évora
– Biblioteca Municipal de Abrantes
Coleção de Igrejas de Ferreira do Zêzere
Igreja Nova do Sobral |
Bêco |
Chãos |
Paio Mendes |
Pias |
Areias |
Dornes |
Águas Belas |